segunda-feira, 15 de junho de 2009

Guerra em Potosí

Bolívia em guerra. As bombas lambiam nossas costas enquanto caminhávamos pelo centro de Potosí, sul do país. Passavam próximas, respingando parte de seu conteúdo. Apressamos o passo, mas era dia de sorte, os algozes tinham outras vítimas em vista.

Meninas alvos e meninos guerreiros. Batalha campal

As bombas, ou bexigas cheias d’água em sua versão realista, são vendidas na própria rua. Há comércio de tudo na Bolívia. Os soldados são meninos, ainda de camisa, terno e gravata – o uniforme da escola. As vítimas, claro, as meninas em seus vestidinhos alvos (no duplo sentido da palavra).



“Isso é comum em toda a Bolívia”, confidenciou-me um cidadão local. Ao final da aula, guerra de bexigas cheias de água nas cercanias da escola. Em Uyuni, eu fora alvejado por uma rajada de metralhadora de água, disparada pelo dedo moleque de um garoto boliviano. Em Potosí, tínhamos que andar espertos: os turistas são o segundo alvo dos meninos.

Melhor correr, ou seremos os próximos alvos

Quando cheguei na cidade, naquela madrugada, respirava alívio. Se estávamos em guerra, a chegada a Potosí seria o desembarque dos aliados na Normandia. Estava morto. Após a tortura no ônibus boliviano, mal sentia as pernas e precisava de descanso.

Cenas de Potosí, cidade situada no sul da Bolívia, a mais de 4 mil metros acima do nível do mar. Nos tempos áureos da mina de prata, Potosí já foi a cidade mais habitada do mundo. Hoje, tem 250 mil habitantes

Fui usado por ingleses como intérprete. Fingiram interesse por mim, fiz as vezes de tradutor espanhol-inglês no táxi e na recepção e, fim de papo, não falei mais com eles. Mas me lixei para isso, queria banho e cama.

Cara de sono na manhã de Potosí. Noite bem dormida

No outro dia tive um café da manhã digno. Três dias viajando com Jimi e os gringos me deixaram meio desnorteado. Precisava firmar os pés no chão, comer e, ops, correr, porque estava mais uma vez atrasado. Deixei minha bagagem no locker e saí atrás da van que queria ir sem mim – fui o último a entrar, o brasileiro atrasado. O sôfrego eu em ação.

Estávamos indo para uma mina de prata. E então conheci Marco e Ben.

Neve na Bolívia


Uns flocos grandes de neve começaram a cair num dia sol. Estranho, neve na Bolívia. A chuva, parecia chuva, era sólida. Granizo, não sei, tinha jeito neve. Aliás, nunca vi neve.

Catedral de Potosí, no centro da cidade

A tarde na Bolívia, após a visita à mina de prata (leia no próximo post). foi para descanso e um breve passeio. Também para almoço junto com um monte de franceses, um americano e um argentino. Andamos pelo centro buscando um lugar para comer. Perguntamos para este e para aquele e fomos acabar em um restaurante normal no centro da cidade.

Bolos e pães em frente ao Comedor Popular

Estava naquela minha de trocar pesos chilenos pela moeda local, bolivianos, no caso – sina que carregaria até o fim da viagem. Precisava pagar a conta do restaurante e fui dar uma volta e negociar com o cara da casa de câmbio. A Bolívia é intrigante; próximo ao Mercadão Popular, ou Comedor Popular, vi bolos sendo vendidos na rua, assim como pães, muitos pães.

Comedor popular. Como nossos mercados, mas na Bolívia

No Mercadão, aquela bagunça, nada diferente de nossos mercadões. Tentamos tirar fotos de algumas cholas, as tias bolivianas, mas elas odeiam isso. Uma gritou alto e apontou a faca para nós. Ameaça.

A chola má nos olha atravessado. Mas esconde a faca

A faca da chola era um prenúncio: estávamos em guerra. Fim de tarde, hora da meninada sair da escola. Os turistas olham ressabiados; as meninas mais ainda. A molecada, ainda fardada, começa atirar os globos de água. Hilário. E gente adulta, como eu ou você, vendendo a munição na rua. Patrocinando a batalha.

Patrocínio da guerra. Gente adulta vende as 'armas' da garotada

Sobrevivemos à guerra e voltamos ao hostel. Hora de partir. Beijei a francesa no rosto, intrigado por não ter dado certo. No hostel, matamos mais um tempo e me juntei ao americano e ao argentino. Resolvi seguir viagem com eles. Era o início de uma longa história.

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