segunda-feira, 16 de junho de 2008

Última viagem

Última poltrona do ônibus, último suspiro de paciência, último sopro de vontade, última viagem. Faço mais uma vez o trecho Medianeira – Campinas a bordo do controverso Garcia. Segunda tem aula do Labjor, a última. Após um ano e meio de curso, e meio ano de viagens absurdas, faço a última para concluir a pós. Não significa que nossa relação aqui nos Rascunhos tenha chegado ao fim - o que é tema para outros tópicos.

Toda viagem tem a sua história, seus personagens. Cada um desses meus companheiros de ônibus deve ter seus próprios relatos, dilemas e rascunhos. E aqui, entre mais de 40 poltronas, é uma honra assumir a baqueta de suas história.

Há senhoras velhas, como aquela da poltrona 1 que não quis descer do ônibus para saborear o café da manhã do caríssimo Graal. Há também crianças, como essa pequena criatura duas poltronas atrás, que ficou uma meia hora chorando sem os cuidados da mãe (o que volta a fazer agora). Haja fôlego.

Muitas conversas ocorrem dentro de um ônibus. As pessoas podem falar de trivialidades ou comentar sobre a depressão na qual entrou uma senhora após perder o marido. “Isso acontece muito”, afirmou a mulher na poltrona da frente. Podem apenas puxar uma conversa ou falar de temas grandiosos.

Um ônibus é o palco para uma miscelânea de sensações. No ar misturam-se os aromas químico do banheiro, agradável do perfume do cara aqui ao lado e, claro, gordurento, dos salgados que certas pessoas insistem em trazer para o interior do carro.

Os sons variam. Os “buá, buá” escandalosos de crianças mimadas, os toques de celular mais inusitados, o barulho que o ônibus faz ao passar pelos olhos-de-gato no centro da pista, as conversas cá e acolá.

Ainda aqui dentro, os rostos são também variados: a velha senhora, a família negra, o estudante, o casal gordo e outro casal em que a mulher é muito mais bonita que o cara. E a diversidade também ocorre lá fora, nas inúmeras paisagens que se descortinam janela afora. A noite, a lua cheia guardou essa viagem. Agora de dia e já no estado de São Paulo, plantações de pinus tomam conta da vista.

Há também comportamentos e comportamentos. A criança chorona, a mãe descuidada, a mulher que desce a poltrona nas pernas do cara de trás que escreve em seu notebook, o rapaz que ronca ao lado ou o outro que come salgado bem pertinho. Mas há também o sorriso franco da moça gorda e da senhora sem fome, ou a gentileza do rapaz que cedeu a poltrona para as amigas sentarem juntas.

Tudo isso em uma única viagem.

Viajar de ônibus é como ter aulas empíricas de sociologia (quando terminei de escrever essa frase, outra criança, esta de sorriso terno, passa ao meu lado) ou antropologia. É enriquecedor conhecer essa amálgama de histórias e, em alguns casos, fazer parte delas.

Já encontrei sacoleiros, viajantes, estudantes, trabalhadores, turistas, aventureiros, nacionais e brasileiros, gente da capital e do dos rincões mais distantes, pessoas sós e eternos amantes. Ou aqueles que simplesmente estão se deslocando de um lugar para outro.

Esta não é uma despedida, estamos longe disso, mas um agradecimento por vocês estarem juntos comigo a cada viagem. Volto em breve.

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